Um Bonde Chamado Desejo
Direção: CIBELE FORJAZ.
Com
LEONA CAVALLI, MILHEM CORTAZ,
ISABEL TEIXEIRA, JOÃO SIGNORELLI.
Em cartaz no Teatro do SESC - Copacabana.
"A pouca sinceridade que ainda existe neste mundo é por conta das pessoas que já sentiram dor", diz Blanche num dos poucos momentos de ternura deste texto, que trata de sentimentos como culpa, solidão, carência, e do isolamento a que são relegados os malditos na sociedade. Autor de longos e profundos diálogos carregados de amarga sensibilidade, Tennessee Williams conhece bem o universo que escolheu para narrar. Filho de caixeiro viajante que teve de largar os estudos para trabalhar, dado a crises de nervos já na adolescência, homossexual, alcoólatra, testemunha de uma lobotomia sofrida pela irmã (e consentida pela mãe dominadora) que o marcaria pelo resto da vida, Williams alternaria sucessos e perdas, paixões e depressões. Sua obra, repleta de mulheres de personalidade forte, ambíguas, geralmente vítimas dos próprios sentimentos, é marcadamente autobiográfica, ao adaptar para o palco as personagens e vivências que tanto o encantaram e perturbaram, extremamente ousada e irresistivelmente sincera.
A presente montagem é uma retomada da parceria da atriz e produtora Leona Cavalli com a diretora Cibele Forjaz, responsáveis pelo sucesso, em 2001, de Toda Nudez Será Castigada, de Nelson Rodrigues. Para o texto de Tennessee Williams, a diretora criou um interessante cenário com fitas brancas que erguem-se até o teto, formando as paredes "transparentes" que cercam o apartamento onde se desenrola a ação. Paredes que, quando a vida da protagonista parece não ter mais para onde descer, se retorcem diante da dupla agressão sofrida por Blanche, quando seu passado enfim vem à tona. É um recurso aparentemente simples, porém funcional e instigante, que, junto a seqüências como a do diálogo na penumbra (e outros mesmo na completa escuridão) realçam a carga dramática da história, que sustenta-se basicamente nos diálogos e nas interpretações.
E é justamente nas interpretações que esse Bonde ameaça sair dos trilhos. Com a peça girando em torno da personagem de Leona Cavalli, fica a impressão de que todo o resto do elenco foi ignorado, inclusive um elemento de grande importância à trama como Kowalski. Interpretado no cinema e no teatro por Marlon Brando, e nos palcos londrinos por Laurence Olivier, a personagem cujo vigor deveria causar desejo e repulsa mal consegue, aqui, fazer rir. O desempenho de Milhem Cortaz chega mesmo a tornar-se constrangedor, principalmente nas cenas após a briga com Stella. O ator parece ter preferido seguir a descrição que Blanche faz de Kowalski, comparando-o a um macaco, do que humanizá-lo. João Signorelli esforça-se por fazer alguma coisa com seu Mitchell ingênuo e sensível, mas termina apagado, o que se evidencia na cena junto a Blanche, quando estão sozinhos no apartamento, ao final. Há ainda outros quatro atores que revezam-se em pequenos papéis que, se não chegam a comprometer o espetáculo, também não se destacam, e há Isabel Teixeira como Stella, essa sim obtendo um excelente resultado ao compor uma mulher cheia de nuances.
Quanto a Leona Cavalli, a quem a crítica vem dedicando elogios desde Toda Nudez... , sua composição de Blanche DuBois parece mais uma adaptação à sua própria figura ou personalidade. Afirmando ter se voltado mais para o lado humano da personagem, em detrimento de suas faces sombria e sensual, Leona terminou criando uma Blanche contida, conflitante com a exuberância que a personagem exige e carente de explosão. Dona de um belo trabalho vocal que lhe dá domínio sobre entonações e pronúncias, e de uma fisionomia ainda mais bela, não consegue, por exemplo, transmitir o problema da idade que atormenta a personagem, e nem a intensidade necessária nos momentos violentos, principalmente ao final. É nessas horas que falta a citada explosão, que ainda parece controlada por uma atriz excessivamente técnica. Leona Cavalli é de fato uma das melhores de sua geração, mas pode melhorar mais. Tempo para isso ela tem de sobra. (M.L.)
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